quinta-feira, 19 de julho de 2012

"Os países que praticam a memória são mais vívidos, mais criativos, fazem melhores negócios, melhor turismo, são mais distintos." Patrício Guzmán


Arte & Cultura| 17/07/2012 | Copyleft 

"Os países sem memória são anêmicos e conformistas"

Em entrevista à Carta Maior, o documentarista chileno Patrício Guzmán fala sobre o golpe contra Allende e a ditadura de Pinochet. E faz uma apaixonada defesa da memória: "Os países que praticam a memória são mais vívidos, mais criativos, fazem melhores negócios, melhor turismo, são mais distintos. Os países sem memória são anêmicos, não se movem, são conformistas, e caem numa espécie de cultura de sofá, gente que está sentada no sofá assistindo a televisão… E não se movem. Acredito que a memória é um conceito tão importante quanto a circulação do sangue".



São Paulo - Em entrevista à Carta Maior, o documentarista chileno Patrício Guzmán fala sobre as relações entre a direita e a esquerda no periodo do golpe contra o presidente Salvador Allende em 1973 e as medidas tomadas pelo ditador Augusto Pinochet para tentar apagar da história a memória do presidente deposto. 

Durante a exibição de seu filme “Nostalgia da Luz” que fechou o evento “Memória e Transformação”, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog e Cinemateca Brasileira, Guzmán falou sobre a importância e necessidade da memória, como instrumento politico de identidade do país e de seus indivíduos. Sua obra, segundo ele, é permeada pela tensão entre memória e esquecimento.

Conhecido por seus filmes sobre o Chile, os anos Allende e o golpe militar de Pinochet, o documentarista, também falou sobre o movimento estudantil chileno, que em suas palavras, “quer não só melhor educação, mas uma sociedade mais humana”. Guzmán ainda falou sobre a mídia e o papel vital do documentário na história de uma nação, “um país sem documentário é como uma família sem álbum de fotografias”.

Veja acima vídeo com a entrevista e, abaixo, a transcrição da fala de Guzmán.

"Eu cheguei muito tarde na política, quero dizer, que quando fui para Espanha para estudar Cinema não tinha uma posição clara. Eu queria mudança, não a mudança radical. Era, se preferir, uma pessoa neutra. Eu me conscientizei estando em Madri, porque a ditadura franquista estava vivendo seus últimos momentos e a Escola del Cine estava no meio da faculdade de Ciências Políticas, de História e Filosofia para chegar até a faculdade tinha que atravessar o campus e via os policiais em confronto com os estudantes, digamos que estávamos em meio um campo de guerra urbana, portanto, foi dentro da faculdade que comecei a entender o que estava passando na América Latina.

Nesse espaço de cultura efervescente que comecei a ter uma consciência mais forte. E quando Allende saiu, eu disse a mim mesmo “tenho que voltar imediatamente, não posso ficar aqui”. Cheguei tarde, cheguei tarde. 4 meses depois que Allende já tinha tomado o poder. Então, os postos já estavam todos ocupados e como não era militante tinha menos possibilidade. Então fui até a escola de Cinema onde tinha estudado no Chile, e disse ao diretor : “O que está passando é tão bonito, tão extraordinário, há uma efervescência tão grande, uma participação massiva enorme que temos que filmar. Imediatamente”

Tratava-se que Allende tinha que renovar o parlamento e a direita queria destituí-lo. A direita pensava que ao obter 60% dos votos e com isso podiam destituir o presidente… Então saímos às ruas e filmamos imediatamente, porque não podíamos não filmá-lo. Bom, Allende conseguiu 43, 44%, ou seja, conseguiu a mais alta votação depois de dois anos de desgastes de um governo chileno. E não puderam destituí-lo, a partir daí a direita entende que precisa dar um golpe de estado, que já não se pode tirar pela via legal um governo popular. E aí eu parei, deixei de filmar e nos reunímos. 

Fizemos uma semana de reunião para estabelecer um método de trabalho. Pusemos, fizemos um esquema em cartolinas com os principais problemas, divididos em políticos, ideológicos e econômicos, que é uma análise marxista elementar, então colocamos muitas chaves com tudo o que derivava dali. Se era economia, era a nacionalização das riquezas básicas, a fábrica, a produção, a batalha da produção. Se era ideologia: as rádios, as televisões, os novos partidos da direita etc. E no outro lado, outro esquema íamos colocando o que filmávamos e comparando uma coisa com a outra. O resultado foi um filme com muitos contra-pontos, digo, a uma ação da esquerda uma resposta da direita. A um contra ataque da direito outra resposta da esquerda, o qual era um documentário ideal. Digamos… que haja um diálogo de contrários, se não há diálogo de contrários não existe linha de desenvolvimento. O filme fica monótono.

Era tal a aceleração da história que Allende produziu, e tal a quantidade de acontecimentos que passava que você acreditava que estava vivendo em um caos total.

Digamos que tínhamos que filmar dois rolos (de filme) diários, essa era minha divisão, se de repente sobrava, então teríamos 3 para o próximo dia. E se no terceiro dia havia outro dia ruim, teríamos 4 para uma boa sequência. E assim fomos equilibrando a tal ponto que quando veio o Golpe de Estado só nos sobraram dois rolos, ou seja, quando se acabou o filme, acabou-se o projeto político. Isso foi muito curioso.

O Chile dos anos 70, o Chile Allende é um dos países mais cultos politicamente que existiu na América Latina, com um desenvolvimento, um amadurecimento da esquerda insólito, com um partido comunista de quase cem anos, partido socialista igualmente velho, uma social-democracia avançada,uma esquerda radical interessante e uma leitura política entre os trabalhadores e estudantes alta.

Depois da repressão de Pinochet não ficou nada.

E os dezoito anos de completa amnésia, Pinochet quis fazer tábula-rasa, apagou a história, apagou Allende da história e transformou comunismo, demonizou o comunismo a graus grotescos. Insultou Allende de todas as maneira que quis, disse tudo o que lhe passou na cabeça contra Allende. Quase tudo falso. E deixou o país, portanto, como que em uma espécie de deserto de memória, de recordações políticas até hoje. De tal maneira que a única coisa que temos é um movimento estudantil magnífico, é a quarta geração que já não tem medo, são inteligentes, querem ir adiante, são contestadores e querem não só melhor educação, mas também querem melhor saúde, melhor moradia, melhores condições de trabalho, melhor vida, uma sociedade mais humana. Não lutam só pelos seus.

Mas só dependemos deles, digamos que não há nenhum outro grupo da sociedade que esteja em plano de luta frontal contra a amnésia, contra os torturadores que andam soltos, contra uma justiça lenta, contra uma Constituição que todavia tenha inimigos internos que é um conceito que causa divisão e ódio, contra uma constituição que fala que os mapuches (etnia indígena) são terroristas. Então, há muito coisa a fazer.

A televisão nasceu como o meio mais importante e pedagógico do século XX e foi convertido em um terrorismo áudio-visual espantoso, nossa televisão latino-americana é imoral e insuportável.

Acredito que a memória não é um conceito intelectual, não é um conceito universitário, não é um conceito acadêmico. A memória é completamente dinâmica, digamos, está dentro do nosso corpo. Os países que praticam a memória são mais vívidos, mais criativos, fazem melhores negócios, melhor turismo, são mais distintos, são melhores. Os países sem memória são anêmicos, não se movem, são conformistas, e caem numa espécie de cultura de sofá, gente que está sentada no sofá assistindo a televisão… E não se movem. Acredito que a memória é um conceito tão importante quanto a circulação do sangue.

Existe uma historiografia científica na América Latina que se pode chamar de moderna? Não. Foi a classe alta que escreveu a história a seu próprio gosto, como no Chile. Eu não acredito em nenhum herói chileno. Não acredito em nenhum deles. Tenho certeza que nos mentiram sistematicamente. Como nos mentiram sobre Allende, sobre Balmaceda, sobre tantos outros heróis que tivemos no Chile. 

Tem que se começar apoiando uma nova geração de historiadores que revisem o que passou de um ponto de vista moderno… para estabelecer as bases onde nos apoiaremos e ter um plano de fundo de verdadeiros heróis para seguir adiante. Assim como a ecologia não se conhecia há 30 anos, os direitos das mulheres não eram conhecidos, ou não eram respeitados, há 70 anos… Assim como os direitos dos indígenas ou a liberdade sexual não eram reconhecidos.. Hoje em dia a memória chegou ao mundo contemporâneo para ficar. Não é passageira, já está instalada. E vai ficar até que nós mesmos a desenvolvamos. É fundamental.

O documentário é um direito do cidadão. Assim como há um dever público em prover saneamento básico, tem que haver documentários, por lei, por obrigação. É o registro de um país, é o álbum de fotos de um país.

Tradução: Caio Sarack

terça-feira, 10 de julho de 2012

Relatos de pesquisas

Coordenadora – Maria Aparecida MOURA 
Pesquisadora júnior – Adriane LEGNANI


http://nemusad.eci.ufmg.br/?p=329


 A consolidação dos sistemas de informação cooperativos potencializados pela web 2.0 ampliou significativamente a presença de pesquisadores no contexto digital. 
O projeto tem por objetivo identificar, caracterizar e modelar os processos de interação e colaboração entre os atores sociais na produção colaborativa de conhecimentos  em redes científicas. Adota-se  como mediação as evidências a partir da linguagem, dos discursos e os sistemas teóricos e metodológicos compartilhados pelos pesquisadores de E-Science disponíveis na web em repositórios de informação digital de acesso livre. Tentamos compreender as implicações dos acordos e da interpenetração semiótica sob o discurso científico contemporâneo nos sistemas de organização do conhecimento.


sexta-feira, 6 de julho de 2012

E-book: "Educação científica e cidadania: abordagens teóricas e metodológicas para a formação de pesquisadores juvenis"

O livro traz abordagens teóricas e metodológicas para formação do pesquisador juvenil e pretende possibilitar um diálogo abrangente com os distintos atores sociais envolvidos, assim contribuindo para a ampliação da concepção de cidadania em espaços de formação científica. Segue link para o acesso ao e-book disponibilizado gratuitamente:


https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/educacao/

E-book: "Cultura informacional e liderança comunitária: concepções e práticas"


O livro organizado pela prof. Cida Moura da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais busca identificar, sistematizar, consolidar, avaliar e divulgar tecnologias sociais capazes de possibilitar e ampliar a participação cidadã na sociedade da informação e do conhecimento. Fortalece e potencializa a comunicação entre a universidade e a sociedade. Segue link do e-book disponibilizado gratuitamente:


https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/cultura/




terça-feira, 3 de julho de 2012

Lei de Acesso à Informação muda relação do brasileiro com sua história




Em vigor há apenas 45 dias, a Lei de Acesso à Informação colocou à disposição dos brasileiros muitos documentos reveladores da história recente do país. E há previsão de outros, como os que integram o acervo do Estado Maior das Forças armadas sejam abertos nos próximos dias. São informações secretas que mofavam nos arquivos de órgãos de inteligência. Mesmo documentos que estavam em arquivos públicos, apenas para consultas restritas, agora podem ser acessados.

Brasília - A Lei de Acesso à Informação está mudando a forma do brasileiro se relacionar com sua própria história. Desde que entrou em vigor, em 17/5, já proporcionou o acesso a registros históricos que, em muitos casos, poucos suspeitavam sequer que existiam. No Arquivo Nacional, encontram-se à disposição dos interessados os documentos secretos e ultrassecretos do extinto Sistema Nacional de Informações e Contrainformação (SISNI), incluindo os serviços de inteligências da Forças Armadas, da Polícia Federal e de ministérios e outros órgãos do governo, como o Itamaraty.

Desde a manhã desta segunda (2), também está disponível a base de dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), criada pelo ex-presidente Collor de Mello, em 1990, para substituir o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), o temível órgão de inteligência da Ditadura Militar, idealizado pelo general Golbery do Couto e Silva. A SAE funcionou até 1999, quando foi criada a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). E, embora tenha sido criada e extinta durante o regime democrático, herdou práticas de arapongagem da ditadura militar, colocando sob sua mira figuras emblemáticas, especialmente, para a esquerda brasileira.

Relegada a categoria de secretaria, a SAE não tinha o mesmo status do seu antecessor, o SNI, ligado à presidência da república, e que, mesmo durante o governo de transição do ex-presidente José Sarney, continuou monitorando esquerdistas, realizando escutas ilegais e operações clandestinas. Perdeu quadros, força e influência. Passou a ser comandado por civis. Voltou a ganhar peso com sua remilitarização, a partir de 1992, já no governo de Itamar Franco, que assumiu a presidência da república após o impeachment de Collor.

Em até 30 dias, será aberto à consulta pública o acervo do extinto Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), que funcionou entre 1946 e 1999, antes da criação do Ministério da Defesa. São 37 volumes de documentos considerados secretos e ultrassecretos, além de 52 volumes de boletins reservados: correspondências entre autoridades militares e civis do governo brasileiro ou entre integrantes do governo e representantes de outros países sobre temas relacionados à defesa, segurança nacional e cooperação internacional, além de relatórios sobre a conjuntura política nacional e internacional. 

Acesso amplo e irrestrito
Desde o dia 18/6, já está permitido o acesso irrestrito aos acervos do próprio SNI e dos demais órgãos que compunham o SISNI. São dossiês pessoais dos considerados “subversivos” e de organizações de esquerda, como partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, igrejas, universidades e movimento estudantil, além de informações sobre prisões, mortes, tortura, repressão à guerrilha urbana e rural, entre outros. 

Parte desses documentos já podia ser consultada desde 2005, de forma bastante restrita. No caso dos dossiês pessoais, apenas com autorização da própria pessoa ou de seus familiares. Nos documentos mais gerais, todos os nomes citados eram devidamente apagados. Por isso, grande parte dos documentos ainda é inédita para o público. Eles revelam, por exemplo, como se dava a infiltração dos agentes do regime dentro das universidades públicas ou mesmo a relação da ditadura com a política indigenista que dizimou aldeias inteiras de índios. 

Há também os documentos produzidos pelo Centro de Informações do Exterior (Ciex), serviço de inteligência criado pelo Itamaraty em 1966 para monitorar os passos dos brasileiros tidos como “subversivos” no exterior e, da mesma forma, os dos estrangeiros no Brasil. Mostram o pioneirismo brasileiro na articulação da Operação Condor, criada pelas ditaduras da América Latina para a troca não apenas de informações, mas também de militantes estrangeiros nos países envolvidos.

Balanço
No primeiro mês de vigência da Lei de Acesso, o governo recebeu 10,4 mil pedidos d.e informações. De acordo com balanço da Controladoria Geral da União (CGU), mais de 70% foram respondidas, a maioria antes do prazo. Das respondidas, 82% atenderam ao pedido; 10% negaram e, em 7% dos casos, não se tratava da competência do órgão. 

Para pedir informação aos órgãos de governo, acessehttp://www.acessoainformacao.gov.br/acessoainformacaogov